quarta-feira, 6 de novembro de 2024

 

Pelo menos 8,2 milhões estão obesos no Brasil; doença quase quadruplicou em uma década

Dados consideram pacientes adultos acompanhados na Atenção Primária à Saúde; especialistas comentam cenário


Saúde|Edis Henrique Peres, do R7, em Brasília

Obesidade e sobrepeso cresceu nos últimos anos no BrasilToninho Tavares/Agência Brasília. -

O número de pessoas adultas com obesidade aumentou 286% na última década no Brasil. Segundo levantamento exclusivo feito pelo R7 com dados do Ministério da Saúde, o total de pacientes acompanhados na Atenção Primária à Saúde (Unidades Básicas e Postos de Saúde) cresceu de 2,1 milhões em 2014 para 8,2 milhões no ano passado. O número de adultos com sobrepeso também está em crescimento: o quantitativo saltou de 3,1 milhões pacientes acompanhados para 8,5 milhões.

Uma pessoa é considerada obesa quando seu IMC (Índice de Massa Corporal) é maior ou igual a 30kg/m². O sobrepeso ocorre em pacientes com índice entre 25 kg/m² a 29,9 kg/m². Na faixa de peso adequado, o IMC deve variar entre 18,5 kg/m² e 24,9 kg/m². O cálculo é feito dividindo o peso da pessoa pela altura em metros, ao quadrado.

Para o presidente da ONG Obesidade Brasil, Carlos Schiavon, as mudanças no ambiente de convívio das pessoas contribuíram para o aumento da obesidade.

Tivemos 
Isso descortinou muitas coisas para mim. Quando tenho episódios emocionais, eu tenho essa tendência a ganhar peso. Com o passar dos anos, eu comecei a não conseguir emagrecer, mesmo tentando dietas, orientação profissional e medicamentos. Mesmo com atividade física, eu tinha uma perda inicial, mas depois engordava mais do que tinha p

 

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(Glenda Cardoso, 39 anos)

 

reduções importantes das atividades físicas cotidianas, como caminhadas, escadas, brincadeiras infantis, tarefas domésticas etc. Além disso, a mudança radical dos hábitos alimentares, com a substituição da alimentação caseira com alimentos da feira por alimentos processados e ultraprocessados de fácil acesso e hipercalóricos

(ONG Obesidade Brasil, Carlos Schiavon)


Diante do cenário, o Ministério da Saúde diz que promove diversas ações, especialmente na prevenção, como “repasses de incentivos financeiros; ofertas de cursos de capacitação para profissionais de saúde; estratégias para ampliação e qualificação da vigilância alimentar e nutricional para monitorar a doença no país; apoio técnico para organização da oferta de serviços; e qualificação dos profissionais nos estados e municípios para o diagnóstico e assistência às pessoas com obesidade”.


Schiavon pontua que recentemente, “a utilização desmedida das telas, inclusive por crianças, veio agravar este cenário [de obesidade], reduzindo ainda mais as atividades físicas e prejudicando um sono saudável que também é um fator de agravo na obesidade”. Para ele, o combate à obesidade é um dos maiores desafios da saúde pública no mundo.


Existem duas grandes frentes para enfrentar este cenário. A prevenção, primordialmente focada nas crianças e adolescentes, pois sabemos que crianças com obesidade têm uma grande chance de serem adultos com obesidade; e o tratamento das pessoas que já convivem com a doença. Programas que envolvam mudança de estilo de vida, medicação quando indicado e, eventualmente, cirurgia, deveriam estar disponíveis para população

(ONG Obesidade Brasil, Carlos Schiavon)


Um dos fatores que também contribui para a obesidade são os chamados ambientes “obesogênicos", quando a pessoa tem fácil acesso a alimentos não recomendados, como ultraprocessados, e dificuldade de inserir atividades físicas na rotina, por exemplo.


“Temos alimentos ultraprocessados de fácil acesso com preço e valor nutricional baixos, hipercalóricos, mas agradáveis ao paladar. Precisamos ter acesso a alimentos in natura com preços acessíveis e disponíveis próximos das residências das pessoas, além de tempo para a população cozinhar a própria comida”, avalia.


Schiavon alerta que a obesidade traz riscos para a saúde física e psíquica, além de desafios sociais e preconceito. Ele lista uma série de complicações que uma pessoa obesa pode ter: diabetes tipo 2, hipertensão, alterações de colesterol e triglicérides, apneia do sono, problemas ortopédicos por sobrecarga, infertilidade e distúrbios hormonais, alguns tipos de cânceres e depressão.


Cirurgião do aparelho digestivo e especialista em obesidade, José Afonso Sallet afirma que o cenário mostra para uma “pandemia” da obesidade.

“Sem dúvida nenhuma, o tratamento que pode trazer um benefício maior é a prevenção. Não tem como a gente correr atrás de tratar todo esse número interminável de pacientes que já estão em níveis de obesidade”, diz.

Sallet explica que a obesidade é uma doença multifatorial. “Fatores determinantes são o hábito alimentar e a ausência de atividade física. Eu diria que 80% do que a gente ganha ou perde peso é o que a gente come ou deixa de comer, e 20% é transpiração, exercício mesmo. Então, o caminho que nós devemos tentar é ter uma reeducação de hábito alimentar, fugir dos fast foods e retomar o hábito de atividade física regular, no mínimo, três vezes por semana”, pontua.

Para o cirurgião, a alta incidência da obesidade infantil também contribui para o cenário atual.

A obesidade, sem sombra de dúvida, é a ponta do iceberg de uma série de doenças. Se formos considerar, hoje, a obesidade está entre os dois principais fatores de mortes evitáveis no mundo, junto ao tabagismo. A obesidade acarreta uma série de doenças associadas, como diabetes e hipertensão, problemas articulares graves, apneia do sono e as doenças cardiocirculatórias, por exemplo

(especialista em obesidade, José Afonso Sallet)


Segundo Sallet, o caminho é o incentivo a uma alimentação saudável das crianças e dos jovens. “O caminho é a prevenção, com o entendimento da população sobre a importância da alimentação sadia. A prevenção é o fator mais importante de atuação da saúde brasileira e mundial. Nós perdemos ao longo desses anos o incentivo a uma alimentação saudável das nossas crianças e dos nossos jovens e o incentivo a uma atividade física regular. Em troca, incentivamos o consumo de fast food, o consumo de eletroeletrônicos e a inatividade física”, afirma.

Para ele, é necessário mudar a orientação aos jovens, visto que “80% da população adulta que precisa passar por uma cirurgia bariátrica são obesos desde a primeira infância”.

Glenda perdeu 100 kg nos últimos três anosArquivo cedido ao R7/Divulgação -

Moradora de São Paulo, a profissional de marketing Glenda Cardoso, 39 anos, conhece bem os desafios e os danos causados pela obesidade. Estudante de nutrição, ela perdeu 100 kg nos últimos três anos depois de uma cirurgia bariátrica. Ela conta que foi uma criança magra, mas ao longo dos anos, depois de adulta, começou a ganhar peso. O máximo que ela chegou foi aos 174kg.

“Nessa época, procurei um endocrinologista, que me receitou medicamentos. Perdi bastante peso, em um mês foram 15kg. Mas em seguida sofri um baque emocional e comecei a ganhar peso. E todas as vezes que eu tive algum baque emocional, ganhei peso”, relata.

Glenda descobriu em um teste genético que ela tem o gene da obesidade, ou seja, uma predisposição ao ganho de peso.

Isso descortinou muitas coisas para mim. Quando tenho episódios emocionais, eu tenho essa tendência a ganhar peso. Com o passar dos anos, eu comecei a não conseguir emagrecer, mesmo tentando dietas, orientação profissional e medicamentos. Mesmo com atividade física, eu tinha uma perda inicial, mas depois engordava mais do que tinha perdido.

(Glenda Cardoso, 39 anos)


“Com esse aumento de peso vieram também algumas comorbidades, como esteatose hepática [gordura no fígado], apneia do sono nível três e várias outras questões. Com o passar do tempo, foi ficando mais difícil, pois desenvolvi resistência a insulina. E chegou uma fase que por conta da hérnia de disco eu parei de andar”, lembra.

Glenda relata episódios frequentes de dor. “Eu não conseguia ficar em pé, não conseguia sustentar meu peso sobre as minhas pernas. A dor era terrível, precisava tomar injeção de três em três dias para suportar”, conta.

‘Obesidade é uma doença’

O ponto de virada na vida de Glenda foi durante a pandemia da Covid-19. “Eu entrei em desespero quando vi a entrevista de um médico intensivista que estava trabalhando em Caraguatatuba, que falou que estava tendo que escolher entre uma pessoa com obesidade e três pessoas que não tivessem obesidade. Isso foi muito chocante, e eu tive certeza que se pegasse Covid eu morreria. Nesse meio tempo, comecei a procurar profissionais para a cirurgia bariátrica”, detalha.

A profissional de marketing diz que, no começo, não achava que a cirurgia fosse para ela. “Eu estava com 174 kg e achava que a bariátrica não era para mim. Mas, por fim, decidi fazer o procedimento, mesmo com os riscos que envolva. Meu IMC na época era 58. Para mim, todas as fases foram difíceis, mas o que me levou a tomar a decisão foi o medo de morrer, de ficar sem andar, de perder a minha mobilidade”, conta.

Glenda relata que precisava contar com o apoio da filha, na época com 10 anos, e do marido para tarefas simples do dia a dia. “Eu tinha medo de não conseguir acompanhar a minha filha, de não vê-la crescer. Eu era uma mulher de 36 anos inválida, dependia da minha filha para tudo, para beber água eu precisava dela, para ir ao médico eu precisava que meu marido me levasse. Para tudo, eu precisava de auxílio”, lembra.

Para ela, entender que a obesidade é multifatorial foi um passo importante. “A pessoa com obesidade não tem culpa de ter obesidade. Ela vive em um ambiente obesogênico e tem uma predisposição genética, e isso vira um prato cheio para o desenvolvimento de doenças e de outras comorbidades."

Glenda reforça: “a obesidade não é culpa de ninguém”. “As pessoas precisam entender que a pessoa não escolhe ter obesidade. Ninguém escolheria ter obesidade, porque ela não vem sozinha, ela vem com um monte de doença junto. O que eu acho que precisa hoje é uma conscientização desde pequenininho, com as crianças entendendo isso, sem crucificar a pessoa com obesidade”, defende.


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