Novo exame no SUS detecta precocemente vírus que pode causar câncer
Testagem molecular de HPV pode identificar lesões precursoras do tumor de colo de útero
Foto: Arquivo pessoal
Foi num exame ginecológico de rotina que a costureira Eliara Campos da Silva das Chagas descobriu um câncer no colo do útero, cujo vírus contraiu numa relação sexual sem preservativo. Era 2022. A notícia do carcinoma a desnorteou. Mas graças ao diagnóstico precoce, ao tratamento eficaz e ao acolhimento que encontrou pelo caminho, Eliara, hoje com 43 anos, leva uma vida normal.
— Tive muito medo de morrer, de deixar minhas filhas. Também fiquei culpada por não ter usado camisinha. O exame preventivo me salvou, porque eu não senti sintoma algum. Se eu não tivesse feito, não sei como teria sido. Na maior parte dos casos, a descoberta já é tarde — diz Eliara.
Para fortalecer as políticas de prevenção da doença, o Ministério da Saúde incorporou ao Sistema Único de Saúde (SUS) em março a tecnologia de testagem molecular para investigação da presença do vírus do HPV oncogênico (que pode causar câncer). Inovador, esse tipo de exame é o mais recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para detecção do câncer do colo do útero.
As vantagens: o resultado é mais preciso e a paciente só precisa voltar dali a cinco anos (no caso do rastreio pelo exame tradicional, o papanicolau, o retorno é em três anos). E mais: o PCR pode identificar lesões precursoras, antes que surjam alterações celulares significativas. O diagnóstico pode ser antecipado em até uma década — o que, em larga escala, potencialmente resultaria na queda da incidência e da mortalidade pela doença no Brasil. Hoje, o número de óbitos passa de seis mil ao ano.
Com investimento federal de R$ 18 milhões, um projeto-piloto desta testagem está sendo desenvolvido em Pernambuco para rastreio de infecções entre mulheres de 25 a 64 anos. Até o mês passado, quase 10 mil testes haviam sido realizados, sendo que 10% deram positivo para um ou mais subtipos de HPV de alto risco. Estes casos foram encaminhados à atenção especializada para confirmação do câncer. Trata-se de uma parceria com a Secretaria de Saúde pernambucana, que executa o projeto Útero É Vida.
Segundo informou o ministério, a intenção é que, futuramente, a experiência no estado sirva para a implantação de uma estratégia nacional para o controle e a eliminação do câncer do colo do útero como problema de saúde pública, tida como uma prioridade da pasta. A estruturação deste plano de ação está a cargo de um grupo de trabalho.
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima em 17 mil os novos casos da doença por ano. Este é o terceiro tipo de câncer mais frequente entre mulheres no país, e é a quarta causa de mortes femininas pela doença. As vítimas são, em sua maioria, negras, pobres e com baixa escolaridade. Também há discrepâncias de estado para estado, lembra o médico Raphael Brandão, coordenador médico na Especialidade de Oncologia da Rede de Hospitais São Camilo, de São Paulo:
— As diferenças regionais são marcantes no Brasil. As regiões Norte e Nordeste apresentam as maiores taxas de incidência e mortalidade, enquanto as regiões Sul e Sudeste possuem taxas menores. Isso pode ser atribuído a fatores socioeconômicos, acesso desigual a serviços de saúde e diferenças na implementação de programas de rastreamento e vacinação contra o HPV, além de variações na conscientização e educação sobre a doença.
O oncologista chama a atenção para a importância da detecção logo no começo do ciclo da doença para um tratamento bem-sucedido e a recuperação completa:
— Quando diagnosticado precocemente, o câncer de colo de útero tem uma alta chance de cura: a taxa de sobrevida em cinco anos pode ultrapassar 90%. Isso, graças à possibilidade de intervenções cirúrgicas eficazes e tratamentos complementares.
Desenvolvida no Brasil, a tecnologia em uso tem capacidade de identificar 14 tipos do vírus HPV que podem causar lesões malignas. A ginecologista e consultora médica da Fundação do Câncer Flavia Miranda Corrêa aponta que uma estratégia que se estenda a todo o Brasil e que inclua o novo teste rápido tem grandes vantagens; inclusive, em termos de redução das desigualdades.
— A utilização dos testes traz uma série de benefícios. Em primeiro lugar, o novo método é mais custo-efetivo para os sistemas de saúde. Outro ponto é que teremos um aumento na detecção de lesões precursoras, possibilitando um encaminhamento mais efetivo para o tratamento e acompanhamento das pacientes. E vai contribuir para a redução das desigualdades no acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer do colo do útero — enumera a médica. — Com isso, o Brasil reforça seu compromisso com a prevenção e o enfrentamento do câncer, alinhando-se a estratégias preconizadas pela OMS para a erradicação do câncer do colo do útero, que recomenda que 70% das mulheres em todo o mundo sejam submetidas regularmente a um teste de alto desempenho.
fonte:https://extra.globo.com/
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