quarta-feira, 26 de junho de 2024

Violência financeira: Justiça do Rio planeja criar vara exclusiva para crimes de abuso contra idosos, que vêm aumentando 

Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), as denúncias de apropriação de rendimento de idosos passaram de 14, em 2022, para 18, em 2023

 Por Vera Araújo — Rio de Janeiro

Foto: Marcia Foletto

Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) indicam que os registros de crimes contra idosos aumentaram em um ano. As denúncias de apropriação de rendimento de idosos passaram de 14, em 2022, para 18, em 2023. As ocorrências de extorsões contra idosos também subiram, passando de 334 para 441, um aumento de 32%.

Muitos dos processos estão na 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, da Comarca da Capital. É também lá que corre o processo da socialite Regina Gonçalves, de 88 anos, cuja fortuna é alvo de uma disputa entre o marido, o ex-motorista José Marcos Chaves Ribeiro, e a família dela, que se tornou pública em maio deste ano. Outro caso de repercussão foi o do aposentado Paulo Roberto Braga, de 68 anos, um mês antes. Ele estava acompanhado da sobrinha Erika de Souza Vieira para fazer um saque de R$ 17 mil, de empréstimo, numa agência bancária, em Bangu, quando um funcionário do banco desconfiou do estado dele. Um paramédico atestou que Paulo estava morto. Erika é ré por tentativa de estelionato e vilipêndio a cadáver. A polícia abriu inquérito para investigar se houve homicídio culposo, quando não há intenção de matar. Ela afirma que não percebeu que o tio havia morrido.

A juíza titular da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, Lysia Maria da Rocha Mesquita, alerta sobre a vulnerabilidade das pessoas acima dos 60 anos quando vivem sozinhas ou não têm alguém de confiança ao seu lado. Responsável pela área da Zona Sul e da Tijuca, a magistrada percebe que os casos de abusos financeiros são mais comuns que maus-tratos, por exemplo.

— A Zona Sul é uma região onde há muitos idosos com boas aposentadorias, que recebem pensão de militares ou mesmo são donos de vários imóveis, que vivem, muitas vezes, da renda desses aluguéis. Mas isso não quer dizer que só as pessoas de classe média sejam alvo de aproveitadores. Com o BPC (benefício assistencial à pessoa idosa) é possível contrair um empréstimo consignado com facilidade, porque é uma renda regular e oficial. Há idosos que sustentam a família inteira por vontade própria ou porque sofrem o abuso financeiro — explica a juíza Lysia.

Ainda há situações, lembra a magistrada da 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, Claudia Motta, em que o idoso mora em abrigos e hospitais, mas o parente ou qualquer conhecido é quem fica com o cartão do benefício, ou da pensão do beneficiário, para fazer os saques em proveito próprio.

— Quando esse tipo de abuso chega à Justiça, temos formas de evitar que a pessoa desvie o dinheiro do idoso, restringindo o valor judicialmente. Quando o idoso não tem parentes que possam cuidar dele, uma possibilidade, é a nomeação de um curador profissional, que ficará atento não só à questão financeira, como também será responsável pelo bem-estar do curatelado, dependendo do seu grau de dependência — comentou a magistrada Claudia, cuja área de atuação abrange parte da Zona Norte do Rio.

Aposentada da Funarte, Rute Coelho, de 77 anos, mora no Abrigo Cristo Redentor, em Bonsucesso, desde 2022. Após o divórcio, sem filhos, ela passou a sofrer de depressão. Ela conta que uma vizinha se aproximou, vendeu a casa que ela tinha, em Água Santa, aproveitando-se de seu estado mental, e contraiu dezenas de empréstimos.

— Uma vizinha me enganou. Ela se aproximou de mim, nem me lembro direito como. Até hoje não recebo meu salário na íntegra, porque vai tudo de empréstimos que essa pessoa fez. Fui parar na favela de Costa Barros com ela, mas escapei. Só agora passei a receber R$ 600, mas o meu salário é muito mais. A minha sorte é que vim para o abrigo — diz Rute, calçada de pantufas, um dos mimos que comprou com as sobras do salário.

Outra moradora do abrigo, M., de 83 anos, era vendedora numa loja de sapatos e, ao se aposentar, deixou o FGTS e suas economias no banco, tirando apenas o necessário para o sustento. Foi o gerente de sua conta, em São Cristóvão, quem estranhou os valores que ela vinha retirando, superiores ao padrão. Sempre em companhia da cuidadora, a idosa sacou cerca de R$ 300 mil em curto período. Desconfiado, em setembro do ano passado ele chamou a polícia. Um inquérito foi instaurado na 17ª DP (São Cristóvão). De sorriso largo, M. não se dá conta do golpe que sofreu, devido a problemas psiquiátricos.

O presidente do Tribunal de Justiça do Rio, desembargador Ricardo Rodrigues Cardozo, quer deixar como legado uma vara exclusiva para a pessoa idosa:

— Há dez anos eu já havia proposto a transformação de uma vara em um Juízo de Idoso, mas não foi possível. Hoje, como presidente, estou esperando a aprovação do projeto de lei que enviamos à Alerj. A população está envelhecendo, e temos que dar atenção a este grupo.

Canais para denúncias de violência contra idosos: Disque 100 da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Mulher da Família e dos Direitos Humanos; 0800 023 4567, Superintendência de Políticas para Pessoa Idosa, da Secretaria de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos; 127 (capital) e (21) 2262-7015 (demais localidades) da Ouvidoria do MPRJ.

fonte:https://extra.globo.com/

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