Após três anos de luta, gêmeas siamesas separadas em cirurgia de 25h voltam com família para casa, em Piquerobi: 'Muita gratidão'
— Foto: Acervo pessoal
Allana e Mariah, de dois anos, nasceram unidas pela cabeça. Elas retornam para a cidade natal dos pais, no interior paulista, neste sábado (25), e farão o tratamento em Santo Anastácio (SP).
Por Bárbara Munhoz, g1 Presidente Prudente
O trajeto de volta para casa é sempre embalado por lembranças, dos momentos felizes compartilhados entre família às brincadeiras com os amigos. Mas, voltar para casa com a certeza de que essas memórias ainda serão construídas pelos filhos, é melhor ainda, e é isso o que os Cestari, de Piquerobi (SP), estão prestes a viver.
Após mais de três anos vivendo uma rotina completamente diferente daquela a qual estavam acostumados, Talita Ventura Cestari e Vinicius dos Santos Cestari, poderão, finalmente, retomar sua vida na cidadezinha de apenas 3.264 habitantes, distribuídos em 482.506 km², no extremo oeste do Estado de São Paulo.
Eles são pais das gêmeas siamesas Allana e Mariah, que nasceram unidas pela cabeça. Antes mesmo do parto, as meninas já eram assistidas por uma equipe multidisciplinar do Hospital das Clínicas (HC), ligado à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto (SP).
O caso, extremamente raro, possui um registro a cada 2,5 milhões de nascimentos.
“Eu soube com 10 semanas de gravidez e, para nós, foi um período muito difícil devido ao pouco conhecimento que tínhamos. Havia poucos médicos na nossa região que sabiam lidar com isso. Inclusive, a primeira orientação que recebi foi para interromper a gestação”, relembrou ao g1 a mãe.
Mesmo ouvindo respostas que não agradavam, o casal não desistiu de lutar pela vida das filhas. Inicialmente, o acompanhamento foi realizado no Hospital Regional (HR), em Presidente Prudente (SP). Em seguida, os pais largaram tudo na cidade natal e percorreram quase 500 quilômetros em busca de apoio no hospital ribeirão-pretense, referência nesse tipo de tratamento.
E foi lá que eles ouviram, pela primeira vez, o choro das irmãs anunciando sua chegada ao mundo, em 9 de dezembro de 2020.
Fé
Desde o parto, as gêmeas foram submetidas a incontáveis processos cirúrgicos, como traqueostomias, neurocirurgias e plásticas reparadoras, além de exames clínicos, laboratoriais e de imagem, tudo com a mais alta tecnologia, na tentativa de separar as meninas e proporcioná-las uma melhor qualidade de vida.
Ao todo, foram quatro cirurgias até as cabeças de Allana e Mariah se separarem completamente. A cada ida ao centro cirúrgico, o coração dos pais ficava um pouquinho mais apertado, no entanto, sua devoção a Nossa Senhora Aparecida e a confiança que possuíam na equipe médica faziam com que tudo ficasse calmo.
“Nós sempre fomos pessoas de muita fé. Sempre entregamos tudo nas mãos de Deus. A cada cirurgia, eu ficava com medo, mas a equipe passava uma segurança muito grande, então eu sabia que estava e ia ficar tudo bem”, ressaltou ao g1 a professora.
A mãe sabia que não seria fácil, pois as filhas teriam de passar por uma bateria de exames antes e durante o tratamento, porém, nunca perdeu a fé.
Recomeço
Vinte e cinco horas. Cinquenta profissionais. Duas vidas.
A cirurgia final de separação das gêmeas craniópagas teve início no dia 19 de agosto e terminou por volta das 8h do dia seguinte.
No centro cirúrgico, médicos, enfermeiros, instrumentadores e equipes de apoio protagonizaram uma técnica inédita: a utilização de células-tronco retiradas da bacia para a reconstrução dos crânios das irmãs, após quatro meses guardadas em um tanque de nitrogênio líquido, a uma temperatura de -196 graus Celsius.
Esse, sem dúvidas, foi um dia que marcou para sempre a história dos pais e de toda a família de Allana e Mariah.
“Cada vez que entregávamos elas para uma cirurgia, elas iam e voltavam na mesma maca. Nesse dia foi diferente. Ver elas saírem, cada uma em uma maca, separadas, foi marcante”, revelou a mãe, emocionada.
O desenvolvimento das irmãs depois do último procedimento foi algo que surpreendeu os médicos. Já se comunicando, as gêmeas deixaram o hospital ribeirão-pretano após 52 dias da cirurgia final.
Os Cestari saem de Ribeirão Preto na manhã deste sábado (26) e devem chegar ao Oeste Paulista ainda pela tarde, por volta das 15h. Lá, serão recebidos pelos moradores da cidade, que preparam uma celebração de boas-vindas.
Na ocasião, um ato de acolhida será feito pelo padre Altino Brambilla junto à comunidade. Logo após, a família irá percorrer as ruas da cidade sob a escolta da Polícia Militar e da Ambulância Municipal. A imagem de Nossa Senhora Aparecida acompanhará todo o percurso, seguida por um grupo de corrida e uma carreata. O trajeto será encerrado na Praça da Matriz, onde a família receberá uma bênção.
“Meu sentimento é de muita gratidão por nossas filhas estarem indo embora com a gente, em nossos braços, com muita saúde, graças a Deus. Serei sempre grato por tudo o que fizeram pela gente não só em nossa região, mas também no Hospital das Clínicas, em Ribeirão Preto”, confessou ao g1 o pai .
Para a família, que visitava os parentes e amigos somente em datas comemorativas, entre os diversos tratamentos médicos, ser recepcionada dessa forma e fazer morada novamente em Piquerobi significa muito.
“É uma realização, nós estamos muito felizes em poder voltar para casa com a Allana e Mariah junto da gente. Nós pedimos muito a Deus para que Ele nos concedesse essa volta, então é muita felicidade, é gratidão, é uma mistura muito grande de sentimentos”, afirmou a mãe.
A partir de agora, um novo ciclo se inicia na vida das gêmeas Allana e Mariah, que darão continuidade ao tratamento na vizinha Santo Anastácio (SP). Elas devem voltar para Ribeirão Preto de tempos em tempos, para realização de exames e acompanhamento médico.
Agora separadas, elas continuam unidas na persistência da luta pela vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário