segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Série ficcional sobre as vítimas de João de Deus estreia na TV com Marco Nanini como o religioso: 'Figura polêmica' 

Produção, de três episódios, tem personagens construídas a partir de relatos comuns das mulheres abusadas reais do criminoso 

Por Thomaz Rocha


Foto: Divulgação

A promessa de cura por meio da fé foi o que motivou inúmeras mulheres a irem a Abadiânia, no interior de Goiás, atrás de João de Deus, autodenominado médium. Mas a espera por um milagre se tornou pesadelo para centenas delas. Em 7 de dezembro de 2018, no programa “Conversa com Bial”, dez mulheres denunciaram abusos sexuais cometidos por João, fazendo com que a polícia investigasse as histórias e chegasse a mais de 300 casos de violência por parte do religioso.

A série “João sem Deus — A queda de Abadiânia”, lançada ontem no Canal Brasil, conta o drama de três mulheres vítimas do criminoso durante os oito dias que antecederam a prisão de João, acusado de estupro, abuso sexual mediante fraude e porte ilegal de armas de fogo.

Carmem (Bianca Comparato) representa a mulher de fé inabalável, que vê muita coisa acontecer diante dos olhos e tem grande dificuldade em acreditar nos crimes de seu mentor. Cecília (Karine Teles) é abusada durante um tratamento, mas não consegue falar sobre a violência. Por fim, Ariane (Maria Clara Strambi) só se dá conta de que foi violentada quando vê os depoimentos das outras.

As três personagens foram construídas a partir de relatos comuns das vítimas reais do criminoso. Intérprete de Cecília, Karine afirma que a produção teve o cuidado de respeitar as dores de quem sofreu os abusos:

— Infelizmente, esse tipo de violência ainda é muito presente nossa sociedade. Além do roteiro, li muito sobre Abadiânia. Também estudei sobre histórias de falsos líderes religiosos que usam a crença das pessoas para obter vantagem, abusar e enriquecer. Sou uma pessoa bem cética, mas acredito na fé como energia potente. Acho que as diversas religiões são tentativas de acalmar nossa angústia. Isso aumenta muito a gravidade dos crimes cometidos por João, porque ele abusou não só do corpo, mas da fé das pessoas. Isso é grave — conclui.

Uma das principais características da série é não colocar João de Deus como protagonista, dando destaques aos conflitos das vítimas.

— Não estamos interessadas em saber o que ele estava sentindo. O que importa são as vítimas. Fico tocada de contar essa história. Se eu der força para que mais mulheres denunciem casos de violência, terei cumprido o meu papel. É muito bom fazer parte dessa luta — afirma Bianca Comparato, intérprete de Carmem, que ficou impressionada com a perversidade com que João cometia os crimes, muitas vezes na frente de outras pessoas: — Eu não tinha noção de que ele fazia os abusos em público. Me impressionou saber que era na frente de mães, filhas, irmãs, até em corrente (de oração) com 20, 30 pessoas. Fiquei chocada.

Apesar da série levar o nome de João, o personagem pouco aparece na tela. Coube a Marco Nanini interpretar o autodeclarado curandeiro, que hoje tem 81 anos.

— Quando elaboro um personagem, evito julgar porque como intérprete tenho que passar a verdade dele. Um papel inspirado numa figura real e polêmica como este me obriga a ser ainda mais rígido ao evitar o julgamento. Como cidadão, evidente que não tenho qualquer simpatia por esse homem — destaca o artista.

Sem fazer julgamentos sobre os supostos processos de cura feitos por João de Deus, a série busca respeitar a crença de quem acredita.

— São temas polêmicos, e as pessoas podem se sentir ofendidas. A gente teve uma preocupação imensa em respeitar a fé delas. Essa série não é sobre questionar a crença, mas , sim, sobre um criminoso condenado. Não entramos no questionamento se ele curou ou não. Isso não nos cabe entender. É incômodo, mas a gente também tem essa função na dramaturgia, a de trazer esses temas à tona. Jamais vamos ridicularizar. A gente tem uma empatia muito grande com todo mundo — afirma Patricia Corso, criadora e roteirista da série, que tem três episódios.

Já Marina Person, a diretora, se utilizou de uma experiência pessoal para ajudar a contar a história. Ela foi com a mãe em Abadiânia, dois anos antes das denúncias, para conhecer a casa em que João atendia os pacientes. Um amigo dela, que era muito cético, passou por uma cirurgia e se sentiu curado por João de Deus.

— Eu queria conhecer aquele fenômeno. De fato, era um lugar que tinha uma energia muito forte, com o poder da corrente de dezenas de pessoas meditando durante horas todos os dias — diz Marina.

Atualmente João é condenado a 489 anos de prisão, mas cumpre pena em casa após a Justiça de Goiás deferir habeas corpus.

fonte:https://extra.globo.com/

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