quarta-feira, 26 de abril de 2023

Justiça interdita casa de repouso para idosos em Presidente Prudente após constatação de ‘maus-tratos’ pela Vigilância Sanitária


Foto: Leonardo Jacomini/g1

Liminar concedida nesta terça-feira (25) determinou a reintegração dos pacientes às suas famílias ou o encaminhamento deles para outra entidade com atendimento adequado.
Por Gelson Netto e Bárbara Munhoz, g1 Presidente Prudente
Uma liminar concedida nesta terça-feira (25) pelo juiz da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Presidente Prudente (SP), Darci Lopes Beraldo, determinou a interdição das atividades de uma casa de repouso para idosos localizada na Vila Santa Helena. No local, segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP), a Vigilância Sanitária encontrou irregularidades que configurariam “maus-tratos” aos pacientes atendidos. O dono do estabelecimento, Marcelo Moretti Tarifa, afirmou ao g1 que já realizou todas as adequações necessárias no abrigo
Além disso, o magistrado ordenou a reintegração dos idosos às suas famílias ou o encaminhamento deles para outra entidade com atendimento adequado. Em caso de eventual descumprimento da determinação judicial pela instituição, a liminar impôs à Prefeitura, mediante intervenção da Vigilância Sanitária e da Secretaria Municipal de Assistência Social, a responsabilidade pelo procedimento.
A liminar foi concedida a pedido do MPE-SP no âmbito de uma ação civil pública ajuizada pelo promotor de Justiça dos Direitos dos Idosos, Márcio Kuhne Prado Júnior, que relata as supostas más condições de funcionamento da Casa de Repouso Vale de Saron.
“Pelas informações e provas colhidas pelo Ministério Público, que instruem esta ação, pode-se concluir, numa visão inicial da ação, em juízo sumário, sem ares definitivos, que a instituição não atende aos requisitos mínimos para que seja mantida em funcionamento como instituição de longa permanência para pessoas idosas”, afirma o juiz Darci Lopes Beraldo.
O magistrado cita, na liminar, que “foram constatados também medicamentos não armazenados de maneira a respeitar os regulamentos e residentes sendo medicados sem prescrição médica, enquanto outros não recebiam a medicação necessária”.
‘Maus-tratos’ e ‘situação degradante’
A lista de apontamentos apresentada à Justiça pelo MPE-SP inclui uma série de problemas identificados na instituição durante inspeções realizadas pela Vigilância Sanitária nos anos de 2021, 2022 e 2023.
Em janeiro de 2023, segundo o MPE-SP, a conclusão do procedimento de inspeção executado pela vigilância para verificar o atendimento da instituição de longa permanência no cumprimento das determinações de ordem sanitária foi “insatisfatório com interdição total”, com “risco elevado”.
Na ação civil pública, a Promotoria cita as considerações finais da Vigilância Sanitária sobre a situação encontrada na casa de repouso. Entre elas:
A instituição, desde que iniciou suas atividades, não se adéqua às normas sanitárias vigentes para obtenção de licenciamento, mesmo após várias inspeções com o envio de ficha de adequações e autos de infração com aplicação de penalidade de multa.
No momento da inspeção, o serviço continuava acima da capacidade permitida de 25 idosos, funcionando com 28 idosos residentes e um paciente psiquiátrico com idade bem inferior a 60 anos, mas contando com apenas 27 leitos, “não preservando as condições mínimas de respeito e dignidade ao ser humano”.
No setor de alimentação, constatou-se também o descumprimento à legislação vigente em relação à elaboração de cardápio semanal, o número de refeições ao dia e as quantidades necessárias de comida para todos os residentes e funcionários da instituição.
Medicamentos de uso essencial que deveriam ser administrados diariamente em falta para grande parte dos residentes.
Nesta inspeção, a instituição foi autuada com a lavratura da penalidade de interdição “por ter deixado de tomar providências de sua alçada, tendentes a evitar ou sanar a situação que caracterizou a infração, descumprindo atos emanados das autoridades sanitárias, visando à aplicação da legislação pertinente à promoção, prevenção e proteção a saúde, constituindo risco elevado aos idosos atendidos no serviço”.
A equipe de inspeção concluiu que a instituição “não possui condições de continuar exercendo suas atividades”.
A Vigilância Sanitária apontou o alto grau de risco à saúde, configurando “maus-tratos aos idosos residentes no serviço”, que foram encontrados em “situação degradante, com aspecto de desnutrição pela privação de alimentação adequada e cuidados indispensáveis como administração de medicamentos de uso essencial à saúde”.
Outros problemas identificados pela inspeção e elencados pelo MPE-SP na ação civil pública referiram-se a higienização de roupas sem cuidado nenhum com procedimento sanitário; sem uso de utensílios de higiene pessoal individualizados, como sabonetes, pentes e toalhas; uso de fralda em idosa com condições de ir ao banheiro; falta de cuidados de infecção de pele disseminada entre os idosos; falta de anotações da equipe de saúde nos cuidados prestados aos idosos; falta de campainhas e luzes de vigília podendo causar quedas especialmente à noite; e aumento da capacidade funcional da instituição com a residência de 29 internos para a existência de 27 leitos, embora com capacidade máxima permitida de 25, de acordo com laudo técnico de avaliação aprovado na Vigilância Sanitária.
O promotor Márcio Kuhne Prado Júnior relata que, mesmo após a interdição do abrigo pela Vigilância Sanitária, nenhum dos idosos foi retirado do local e o valor da penalidade de multa aplicada contra a casa de repouso totaliza R$ 22,4 mil.
Ele também pontua na ação judicial a presença no local de idosos “extremamente magros e com muitas feridas nos braços e no rosto”.
“Todo esse extenso relato revela que a ILPI [Instituição de Longa Permanência para Idosos] requerida possui um longo histórico de não atendimento às normas sanitárias vigentes, oferecendo serviços que não atendem às necessidades dos idosos abrigados, deixando de prover aos cuidados básicos que eles necessitam, entre os quais alimentação regular e adequada, ministração correta de medicamentos, cuidados básicos de saúde, dentre outros, colocando em perigo a vida e a saúde dos idosos, descumprindo ainda as ordens das autoridades sanitárias, mesmo após inúmeras orientações e autuações”, salienta Prado Júnior.
“Nenhuma das medidas administrativas adotadas se revelou suficiente para que os administradores da ILPI adequassem o atendimento aos idosos, nem mesmo a interdição, que foi francamente ignorada e desprezada pelos requeridos, verificando-se franca desobediência às determinações emitidas pela Vigilância Sanitária”, complementa o promotor.
Diante dos apontamentos feitos na ação civil pública, o representante do MPE-SP sustenta que se mostra “de rigor” a determinação da interdição da entidade por ordem judicial.
“Por diversas vezes, a Vigilância Sanitária constatou a inadequação das instalações físicas no local da instituição, problemas de higiene, ausência de documentos, dentre outras irregularidades, levando-a a interditar a instituição por várias vezes, embora as ordens tenham sido cabalmente ignoradas por seus administradores, o que demonstra manifesta má-fé”, afirma Prado Júnior.
“A prova colhida no bojo do procedimento administrativo aliada aos relatórios de inspeção juntados demonstra total inidoneidade dos administradores requeridos para trabalharem com atendimento ao idoso. A entidade recebeu diversas sanções administrativas da autoridade sanitária, bem como teve diversas oportunidades para sanar as irregularidades constatadas. Contudo, nenhuma das medidas necessárias foi adotada, culminando com ordem de interdição total, reiteradamente descumprida”, conclui o representante do MPE-SP.
Outro lado
O proprietário da casa de repouso, Marcelo Moretti Tarifa, informou ao g1 nesta terça-feira (25) que assumiu o estabelecimento em agosto de 2022 e, pelo período de quatro meses, realizou no local todas as adequações solicitadas pelos órgãos fiscalizadores. Ainda de acordo com Tarifa, os problemas identificados no abrigo são antecedentes ao período de sua gestão.
Ele, que é enfermeiro, contou que antes de assumir o controle da empresa trabalhava como empregado do abrigo.
“Como eu já sou da área, nesses quatros meses, eu fiz todas as adaptações que eles pediram", afirmou.
"Eu tenho 25 pacientes muito bem alojados, eu tenho uma equipe técnica de médicos, enfermeiros, tenho farmacêutico, tenho administrador de empresa agora, eu assumi essa casa sozinho”, salientou.
Ainda conforme Tarifa, os próprios parentes dos idosos atendidos pela instituição “não querem tirar os familiares” do abrigo, pois “são muito bem tratados” no local.
“Eu não tiro a razão de a Vigilância Sanitária tentar fazer isso aí, só que, hoje, a minha casa se encontra totalmente ‘redonda’ para trabalhar. Só que eles não querem me dar a chance, inclusive, eu entrei com um processo, assim, amigável, porque eles são órgão fiscalizador, eu preciso deles. Então, eu estou tentando esse trâmite. A papelada, que eles gostam de ver, tudo, está tudo certo, está tudo legalizado, e eu queria uma nova oportunidade, que eles viessem, então, eu estou esperando eles virem fazer essa vistoria, eu não queria entrar judicialmente, para não virar aquele… Mesmo porque as famílias escreveram a punho que não querem tirar os familiares daqui, porque eles são muito bem tratados, é referência”, afirmou ao g1.
Tarifa ainda disse que sua defesa tentou entrar em contato com o Ministério Público para mostrar todas as adequações realizadas na casa de repouso. No entanto, houve um problema de compatibilidade do documento.
“Eu tirei foto de tudo o que eu fiz, de todas as adequações. Quando eu peguei, estava na fase de transição, eu peguei a casa naquele estado. Hoje a casa está no meu nome, não tem nada vinculado com os antigos proprietários [...]. A casa, legalmente, está no meu nome, como único proprietário. Os idosos são muito bem tratados, inclusive, a minha visita aqui é aberta para todos. Eu não tenho horário de visita estipulado, para eles [familiares] sempre estarem entrando sem precisar estar ligando, pedir licença para entrar, sendo que são os entes deles que estão aqui. Eu tenho essa transparência”, enfatizou.
Ao g1, o proprietário disse que pretende resolver a situação ainda nesta semana e ressaltou que as adequações no imóvel foram realizadas com os idosos dentro da instituição.
“Eu pretendo resolver essa situação nesta semana com eles também, porque a casa fica bem aqui, no Centro, e não tem por que estar omitindo alguma coisa. Eles pediram para eu tirar os pacientes para fazer as adequações. Não tinha por que eu tirar os pacientes para fazer as adequações. Eu fiz as adequações com eles aqui. Não houve risco nenhum para a saúde deles, que era pouca coisa, como um chuveiro queimado, um banheiro interditado… Eu resolvi tudo com eles aqui”, concluiu Tarifa ao g1.

Nenhum comentário:

Postar um comentário