segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

 

Iraniana que não usou hijab em torneio de xadrez vai morar na Espanha, diz jornal

Jogadora de xadrez iraniana Sara Khadem em competição sem hijab
Jogadora de xadrez iraniana Sara Khadem em competição sem hijab Foto: Instagram / Reprodução
Extra e AFP
 Foto: Instagram / Reprodução

A jogadora de xadrez Sarasadat Khademalsharieh, mais conhecida como Sara Khadem, vai morar na Espanha com sua família após participar de uma competição mundial da Federação Internacional de Xadrez (Fide) no Cazaquistão sem usar o hijab, véu islâmico de uso obrigatório para mulheres iranianas, informou o jornal El País, citando duas fontes próximas a ela.

Imagens da jovem no torneio nesta segunda-feira repercutiram na web a nível mundial, enquanto o governo do Irã é alvo de protestos há mais de três meses pela morte da curda iraniana Mahsa Amini, de 22 anos, enquanto estava sob custódia da polícia da moral. Mahsai morreu em 16 de setembro após ser detida em Teerã por supostamente não respeitar o estrito código de vestimenta obrigatório para mulheres no país, que inclui o uso do hijab em público. Enquanto isso, manifestantes são duramente reprimidos pelas autoridades iranianas.

"As corajosas mulheres do Irã continuam a mostrar sua solidariedade, recusando-se a usar o hijab obrigatório, especificamente em plataformas e competições internacionais", afirma postagem da página no Instagram @united4mahsa, que significa "unidos por Mahsa". "O mero ato de desafiar as leis obrigatórias do hijab estabelece um precedente corajoso. Não é um ato considerado levianamente sob um regime autoritário".

Segundo a imprensa iraniana, o presidente da Federação Iraniana de Xadrez, Hasan Tamini, disse que "não esperava" que Sara removesse o véu "porque ela havia participado de torneios anteriores cumprindo as leis" do país. Tamini também destacou que ela não participou do campeonato no Cazaquistão por meio da federação, mas foi para lá de forma "independente" e sem o véu.

De acordo com El País, Sara vai se mudar com o marido, o documentarista Ardeshir Ahmadi, e o bebê deles, para uma cidade espanhola. O local exato não foi revelado para proteger sua segurança. Não foi detalhado se ela chegou a pedir asilo ou se já tem permissão para morar na Espanha. Foi revelado, contudo, que a família possui um imóvel no país.

Sara, de 25 anos, detém o título de Grande Mestra Feminina, o título de mais alto escalão no xadrez feminino. Ela ocupa o 804º lugar no ranking mundial, segundo a Fide. No Cazaquistão, Sara ocupou a 6ª posição entre as 20 melhores mulheres do torneio Blitz feminino. A competição começou no último dia 25 e está prevista para terminar nesta sexta-feira.

Manifestação no esporte

As esportistas femininas iranianas são obrigadas a cumprir o código de vestimenta também no exterior quando representam seu país em eventos internacionais, mas algumas apareceram recentemente em competições sem cobrir a cabeça.

Em outubro, a escaladora Elnaz Rekabi usou apenas uma faixa no cabelo em um campeonato em Seul. Em seu retorno ao Irã, foi recebida como heroína por dezenas de pessoas no aeroporto Imam Khomeini de Teerã.

Posteriormente, Rebaki se desculpou pelo incidente e disse que seu véu tinha caído acidentalmente, em comentários à imprensa estatal.

O esporte se tornou um terreno delicado durante os protestos, com várias atletas de destaque mostrando seu apoio aos manifestantes, como também fizeram alguns jogadores de futebol.

Protestos no Irã representam 'revolução' que agita a República Islâmica

O regime clerical do Irã está sob pressão de protestos que abalam suas bases ideológicas e não mostram sinais de enfraquecimento, segundo especialistas.

Analistas apontam que o movimento de contestação também canaliza anos de descontentamento decorrentes da má situação econômica e das restrições sociais.

As manifestações deste ano são inéditas por sua duração e por reunirem todas as classes sociais e etnias.

Além disso, pedem abertamente o fim do regime clerical.

Nos protestos, retratos do líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, são queimados, as mulheres andam sem véu pelas ruas e pessoas desafiam as forças de segurança.

As autoridades do Irã, por sua vez, acusam potências estrangeiras de encorajar o que chamam de "distúrbios", começando pelos Estados Unidos e Israel, mas também grupos de curdos iranianos exilados no Iraque, cujas posições atacaram com mísseis e drones.

'Desafio fundamental'

Em uma aparente resposta aos protestos, o Ministério Público iraniano anunciou há alguns dias que a polícia da moralidade havia sido desmantelada, um anúncio recebido com ceticismo por ativistas, já que as mulheres continuam sendo forçadas a usar o véu em público.

— Ficou bastante óbvio desde o início que os protestos não são sobre uma reforma ou a polícia da moralidade, mas visam o regime como um todo — disse à AFP Shadi Sadr, fundadora da organização Justice for Iran, com sede em Londres e que defende os direitos humanos. — O que está acontecendo é um desafio fundamental ao regime.

Em 1979, a Revolução Islâmica derrubou a monarquia do xá apoiada pelos Estados Unidos e estabeleceu a República Islâmica do Irã. O aiatolá Ruhollah Khomeini voltou a Teerã após 15 anos de exílio e se tornou o líder supremo até sua morte. Em 1989, ele foi sucedido pelo aiatolá Ali Khamenei. Aos poucos, o país implementou políticas como a sharia (lei islâmica) e tornou o véu obrigatório para as mulheres.

Várias ONGs acusaram o regime iraniano de violar os direitos humanos, com execuções extrajudiciais e sequestros no exterior.

A República Islâmica também mudou a geopolítica do Oriente Médio com sua recusa em reconhecer Israel, sua influência no Líbano e sua intervenção militar na Síria e no Iêmen.

O regime está presente até na invasão russa da Ucrânia, fornecendo drones a Moscou, que os utiliza para bombardear Kiev e outras cidades.

'O regime nunca esteve tão vulnerável'

Os protestos provocados pela morte de Amini parecem mudar as regras do jogo.

— A atmosfera no Irã é revolucionária — afirmou Kasra Aarabi, diretora do programa iraniano do Tony Blair Institute for Global Change. — Há anos existe uma tendência crescente de dissidência contra o regime.

Para ela, as autoridades "podem tentar reprimir os manifestantes, mas não podem eliminar o espírito revolucionário".

— O regime nunca esteve tão vulnerável em seus 43 anos de história — declarou à revista americana Foreign Affairs o acadêmico iraniano Karim Sadjadpour, do Carnegie Endowment for International Peace.

Outro fator de incerteza é a idade avançada de Khamenei. O jornal americano New York Times garantiu em setembro que o líder supremo de 83 anos está "gravemente" doente. Teerã nunca confirmou.

'Máquina de repressão'

Em resposta aos protestos, as autoridades mobilizaram o que a organização Anistia Internacional descreve como "uma máquina de repressão".

Pelo menos 476 pessoa foram mortas pelas forças de segurança, de acordo com a ONG norueguesa Iran Human Rights.

As autoridades também prenderam mais de 14.000 pessoas e seis foram condenadas à morte. Além das execuções de Mohsen Shekari e Majidreza Rahnavard, outras nove pessoas foram condenadas à morte

Mas Sadr adverte que seria precipitado prever a queda do regime.

"Desmontar um regime como o da República Islâmica é uma tarefa muito difícil. Ainda faltam algumas peças para que isso aconteça", estima, citando a necessidade de os manifestantes se organizarem melhor e de uma resposta internacional mais forte.

Apesar de o movimento atual não ter um líder claro, os protestos têm seus ícones, embora muitos estejam detidos, analisa Aarabi. "Estão no meio de uma revolução e não há como voltar atrás", insiste.

fonte:https://extra.globo.com/

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