terça-feira, 29 de novembro de 2022

 

Inadimplência cresce e atinge cartões de grandes varejistas

Freio em ofertas: com o aumento da inadimplência, a Renner decidiu restringir novas concessões de crédito
Freio em ofertas: com o aumento da inadimplência, a Renner decidiu restringir novas concessões de crédito Foto: Domingos Peixoto / Arquivo
Vítor da Costa    /Foto: Domingos Peixoto / Arquivo

inadimplência que não para de crescer no país não poupou as grandes varejistas, sobretudo as de moda. Empresas como Renner, C&A e Riachuelo, que apostaram nos cartões de marca própria como estratégia para fidelizar os clientes e ampliar as vendas, viram os atrasos no pagamento crescerem com a alta de juros e o aperto na renda dos consumidores. O aumento da inadimplência ocorre tanto nos cartões bandeirados — em parceria com outras instituições financeiras — como nos do tipo private label, que são operados por financeiras das próprias varejistas e só podem ser usados nas suas lojas.

Segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a inadimplência em carnês de loja, o que inclui a modalidade private label, ficou em 19,5% em outubro. A taxa é maior que a média dos últimos cinco anos, que foi de 16%.

Na Renner, a parcela dos clientes com prestações vencidas sobre a carteira do cartão próprio da loja atingiu 33,90% no terceiro trimestre deste ano, ante 26,50% em igual período de 2021. Na carteira total, que inclui a operação bandeirada, a porcentagem de vencidos foi para 27,3% no terceiro trimestre deste ano, contra 19,4% no mesmo período do ano anterior.

O CEO da empresa, Fabio Adegas Faccio, destacou, durante a apresentação do balanço trimestral, que o resultado da Realize, braço financeiro da Renner, foi afetado pela maior inadimplência. Com isso, a empresa decidiu restringir novas ofertas de crédito:

— A performance ficou abaixo da expectativa. Seguimos com restrições na concessão de crédito, dado que o cenário macro não evoluiu. Tínhamos uma expectativa de poder retomar a concessão de crédito, mas, pelo cenário macro, tomamos uma decisão de continuar com restrição — disse Faccio.

Segundo o diretor financeiro da Renner, Daniel Santos, a empresa vai buscar gradativamente trazer novos clientes por meio da operação das financeiras próprias para que, à medida que se note uma boa performance, esses clientes possam migrar para a operação bandeirada.

Crédito mais difícil

A C&A lançou seu produto próprio no quarto trimestre do ano passado, o cartão C&A Pay. No terceiro trimestre deste ano, as perdas líquidas nesta carteira atingiram 23,5%, ante 19,5% nos três meses imediatamente anteriores.

A participação nas vendas subiu de 13% para 14%. Foram emitidos no trimestre quase 480 mil cartões digitais, atingindo mais de 1,95 milhão de plásticos emitidos. O diretor de Produtos e Serviços Financeiros da C&A, Levi Fonseca, afirma que o nível de inadimplência está abaixo do plano inicial da companhia.

Ele lembra que, em fevereiro, a rede varejista fez um ajuste na política de concessão de crédito, evitando, assim, um aumento mais expressivo do número de devedores:

— Sabíamos que o cenário macro, por causa de inflação e taxas de juros, era mais complicado. Tomamos uma medida preventiva e fomos mais conservadores.

Fonseca acredita que a taxa de inadimplência nos cartões próprios se estabilize na faixa próxima aos 20%. O objetivo da empresa é que essa modalidade alcance entre 35% a 40% do faturamento.

Na Guararapes, o nível de perdas do cartão Riachuelo atingiu 5,1% no fim do terceiro trimestre deste ano, frente a 4% no mesmo período de 2021. O percentual inclui as operações realizadas pela Midway, financeira da empresa, e do cartão bandeirado.

As vendas realizadas com os dois cartões representavam 35% do total no terceiro trimestre desde ano.

— Posicionamos a carteira em um nível de risco inferior ao que se tinha no pré-pandemia. Com esse posicionamento, colhemos frutos em níveis de perdas mais adequados com a situação do cenário macroeconômico atual. O desafio, dentro da nossa base de clientes, é explorar receita de juros, mesmo em clientes com apetite a crédito menor — disse o diretor executivo do grupo e responsável pela financeira Midway, Francisco Santos, durante a apresentação dos resultados trimestrais.

Nas Lojas Marisa, a participação dos cartões próprios mais a marca bandeirada nas vendas foi de 36,6% no terceiro trimestre, queda em relação aos 40,3% do ano passado.

Segundo a empresa, os números são “reflexo da política mais conservadora de concessão nesse período devido à alta nos níveis de inadimplência do consumidor em geral.”

Apesar do aumento na inadimplência, ainda vale a pena para as empresas manterem suas próprias financeiras, de acordo com analistas do varejo.— Obviamente tem esse custo nesse cenário macro. Mas, para as varejistas, principalmente as que atendem uma classe mais baixa e que não tem acesso ao crédito com tanta facilidade, acaba sendo estratégico ter essa frente financeira, dando fôlego para os clientes comprarem dentro da empresa — disse Danniela Eiger, da área de varejo da XP.

Venda de dívidas

Fonseca, da C&A, explica que o motivo de a marca investir na operação financeira própria é que a empresa consegue ter uma visão mais ampla do cliente. Ele afirma que, desde o IPO (oferta pública inicial de ações da empresa, na sigla em inglês), em 2019, a C&A tinha como objetivo impulsionar o crédito para a compra do cliente na rede.

— Quando a gente dá o crédito, conseguimos aumentar a fidelização dele e a recorrência. E, à medida que esse cliente vai evoluindo, criando relacionamento e demandando, podemos oferecer outros serviços financeiros. Na parceria, a avaliação desse cliente acaba sendo mais de curto prazo.

Uma opção que vem sendo usada pelas empresas é a venda de dívidas de clientes inadimplentes. A estratégia, normalmente, é feita para melhorar as margens financeiras das empresas.

Durante a apresentação dos resultados, os executivos da Renner informaram que foi feita a venda de um terço da carteira com vencimentos acima de 360 dias, no valor de R$ 23,8 milhões.

— A reflexão que fizemos foi que tínhamos muito esforço operacional, de gestão, no sentido de ficar buscando resgate na carteira antiga. Concluímos que faz sentido pegar a carteira, organizar de alguma forma, vender e focar essa energia na carteira que é mais fresca. Você consegue ter um nível de cobrança menor e focar mais na operação — ressaltou o diretor financeiro da Renner, Daniel Santos.

Os pagamentos recentes de benefícios por parte do governo federal, como o Auxílio Brasil, ainda não foram suficientes para a redução dos índices de inadimplência, que vêm renovando recordes.

Inflação e renda baixa

Eduardo Yamashita, diretor de Operações da Gouvêa Ecosystem, consultoria especializada em varejo, diz que uma mudança de tendência nesse cenário virá com a redução da inflação e crescimento da massa salarial.

Apesar de ter parado de subir, a Selic elevada também contribui para postergar essa melhora no quadro econômico.

— No Brasil, o nível de emprego tem melhorado muito. Por outro lado, a qualidade do emprego está muito ruim, com rendimento médio baixo e inflação comendo a renda. Esperamos que o cenário se mantenha e até se agrave um pouco nos próximos dois ou três trimestres. Com a inflação cedendo e aumento da massa salarial, podemos voltar a um cenário de mais estabilidade — afirmou Yamashita.

Para 2023, Danniela, da XP, acredita em uma dinâmica mais positiva para o segmento:

— Deve ser um ano mais normalizado, não só pelo cenário macro, mas também pela remoção da incerteza política, com o novo presidente e quem vai ser o time econômico. Isso ajuda a trazer uma maior visibilidade.

fonte:https://extra.globo.com/

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