sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Promotoria da Infância e da Juventude investiga participação de criança vestida de Adolf Hitler em festa de Halloween em colégio particular de Presidente Prudente


Pode ser uma imagem de 3 pessoas, criança e pessoas em pé

Foto: Redes sociais

Escola reconheceu que houve um ‘grave erro’ e pediu desculpas, ‘especialmente à comunidade judaica e a todos os alcançados, direta ou indiretamente, pelo Holocausto’.
Por g1 Presidente Prudente
O Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE-SP) abriu nesta quinta-feira (27) um procedimento para apurar as circunstâncias que levaram um aluno a participar fantasiado de Adolf Hitler em uma festa de Halloween realizada por um colégio particular em Presidente Prudente (SP). A escola reconheceu que houve um "grave erro" e pediu desculpas.
O promotor de Justiça da Infância e da Juventude, Marcos Akira Mizusaki, afirmou ao g1 que pretende ouvir os pais da criança e os responsáveis pela escola para esclarecer o que de fato ocorreu nesta quarta-feira (26) no evento.
Além disso, o promotor de Justiça ressaltou que está preocupado com a exposição da criança envolvida, já que o caso ganhou repercussão nas redes sociais após a própria escola postar uma foto em que o garoto aparece vestido e caracterizado como o ditador nazista, ao lado de outras crianças fantasiadas que também participavam da mesma festa.
“Nós já recebemos a representação, a gente vai instaurar um procedimento. Em princípio, a gente vai ouvir os pais para ver qual é a justificativa, ou responsáveis, e a escola. A gente pede que não cause alarde nisso, a criança já está sendo muito exposta. E, quanto mais a imprensa ficar publicando sobre isso, a sociedade pode acabar tachando a criança e a gente teme muito por isso. Então, a gente pede muita cautela para depois, senão ela pode ser vítima aí de uma execração social. A gente, para tomar qualquer medida de busca de responsabilização, tem que pelo menos colher essas informações mínimas, que eventualmente caracterizem ou não infração criminal ou civil”, disse Mizusaki ao g1.
“Com relação a uma eventual responsabilização, a gente vai buscar, já vou instaurar um procedimento, vou ouvir os pais, vou ouvir a escola para verificar. Mas, como eu já disse, quanto mais estardalhaço a gente fizer, mais consequências ruins a gente pode trazer a uma criança que não tem culpa nenhuma”, complementou o promotor da Infância e da Juventude.
Dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Presidente Prudente, reuniram-se com o promotor Marcos Akira Mizusaki na tarde desta quinta-feira (27) e solicitaram ao representante do MPE-SP apuração e providências sobre o caso.
‘Grave erro’
Na tarde desta quinta-feira (27), o Colégio Cotiguara publicou nas redes sociais uma “nota de esclarecimento” através da qual se posicionou oficialmente sobre o assunto.
No texto, a direção da escola privada reconhece que houve um “grave erro” na permissão da participação do aluno com a caracterização de Adolf Hitler na festa temática, que levou o nome de “Noite do Terror”, em alusão ao “Dia das Bruxas”.
A escola lamentou profundamente o ocorrido e pediu desculpas, “especialmente à comunidade judaica e a todos os alcançados, direta ou indiretamente, pelo Holocausto”.
Veja abaixo a íntegra:
“Ontem (26/10/2022), realizou-se no Colégio Cotiguara, em Presidente Prudente, festa temática, designada como ‘noite do terror’, em decorrência do ‘dia das bruxas’ ou halloween, com a participação dos alunos do ensino fundamental I.
Sem prévio conhecimento desta escola, um dos alunos compareceu caracterizado como Adolf Hiltler, o que, no contexto do encontro, retrataria o horror que essa figura representou historicamente.
A direção do Colégio Cotiguara reconhece que houve um grave erro ao se permitir a participação do aluno com a aludida caracterização, lamentando profundamente o ocorrido e registrando as suas desculpas, especialmente à comunidade judaica e a todos os alcançados, direta ou indiretamente, pelo holocausto. Essa tragédia da humanidade não pode ser esquecida e, independente do contexto, não deve ser associada ou inserida em qualquer ambiente ou ocasião, que não seja para remarcar e condenar essa barbárie.
O Colégio realizará ação de esclarecimento, direcionada aos seus alunos e aos familiares deles, com o propósito pedagógico de rememorar as graves atrocidades e os crimes cometidos pelo regime nazista contra a humanidade”.
Apologia ao nazismo
O advogado Ariel de Castro Alves, que é membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e presidente da Comissão de Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da Ordem dos Advogados do Brasil no Estado de São Paulo (OAB-SP), disse ao g1 que o caso ocorrido no colégio particular em Presidente Prudente pode até mesmo caracterizar dois tipos de crimes.
“Tem um crime previsto no artigo 232 do ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] de submeter a criança ou adolescente a vexame ou a constrangimento. Então, esse é um dos crimes porque no caso aí seria uma situação de vexame, de constrangimento. E, também, a legislação brasileira, o artigo 20 da lei do racismo, prevê que não pode existir nenhuma apologia ao nazismo, qualquer forma de veiculação de qualquer símbolo, de qualquer referência ao nazismo é crime com reclusão de dois a cinco anos. Mas é claro que a criança não pode ser responsabilizada, é necessário verificar quem orientou ela a se vestir dessa forma, se foram os próprios pais, se foi algum professor, professora, se a escola aceitou essa situação”, salientou.
“O estabelecimento pode ter que prestar informações para a Promotoria da Infância e da Juventude porque essa criança está vestida de Hitler, fazendo uma apologia ao nazismo, o que é vedado pela legislação brasileira. Ainda que seja uma representação, uma brincadeira infantil, que no caso a legislação brasileira veda essa situação, como o racismo. O racismo e o nazismo são vedados, eles são proibidos de serem praticados”, pontuou.
Ariel de Castro Alves ressaltou que “fazer uma criança se vestir de Hitler, que acaba configurando uma apologia ao nazismo, é submeter essa criança a uma situação extremamente constrangedora e extremamente vexatória que contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente”.
“Nós temos a questão da violação, tanto da Constituição Federal, que prevê o direito ao respeito, à dignidade e que a criança fique a salvo de qualquer situação de constrangimento ou situação vexatória. E o próprio ECA também prevê esses direitos”, enfatizou o advogado.
“O estabelecimento pode responder, perante a Promotoria da Infância e da Juventude, a um inquérito civil, que, no máximo, isso daria até o fechamento do estabelecimento, mas não seria esse o caso. Talvez houve uma imprudência, uma negligência, trataram como se fosse algo de menor importância, não observaram a legislação adequadamente. Talvez não tenha sido intencional, não podemos imaginar que tenha sido algo intencional da escola e dos pais terem planejado fazer apologia ao nazismo”, ponderou o advogado.
“Já é inaceitável que uma criança se vista de Hitler, né? Representa alguém que matou tantos judeus, principalmente, durante o Holocausto e que tanta desgraça trouxe ao mundo. Certamente é uma situação muito constrangedora e vexatória”, concluiu Alves ao g1.
“A legislação brasileira não permite nenhuma apologia ao nazismo ou racismo. A festa de Halloween ocorre costumeiramente nas escolas. Mas não pode ocorrer apologia ao nazismo. Quem orientou a criança a se vestir de Hitler pode ser responsabilizado por submeter criança a vexame ou constrangimento. Os pais, professores e os responsáveis pelo colégio podem ser investigados. Cremos que não tenha sido algo intencional. E, sim, uma negligência e imprudência de quem orientou a criança a se vestir dessa forma. A pessoa deve ser orientada e pode ser responsabilizada até criminalmente com base no ECA e na lei contra o racismo. Também por violação ao direito ao respeito e a dignidade da criança, previstos no ECA e na Constituição Federal”, complementou Ariel de Castro Alves.
“Certamente a criança não sabia que se vestir de Hitler e usar símbolos nazistas é crime. Mas os adultos deveriam saber. A escola pode ter que responder a um procedimento administrativo na Promotoria da Infância e da Juventude para esclarecimento dos fatos. E pode ter que realizar um trabalho pedagógico de esclarecimento e orientação dos alunos sobre os horrores do nazismo, como forma de reparar os danos desse evento”, avaliou o advogado.

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